terça-feira, 15 de março de 2011

Manta de retalhos



Comecei a manta há muitos anos.
Tinhamos ido de férias para os EUA, uma semana em Nova Iorque, outra a passear de carro pelo Estado de Nova Iorque e arredores.
Gosto de todos os filmes do Harrison Ford, ( gosto especialmente do Presumivel Inocente, mais pela personagem da mulher do Rusty, com a qual me identifico, e lamento que não me tenha servido de inspiração). Como tinha visto, pouco tempo antes da viagem, A Testemunha, fiquei entusiasmada com a hipótese de visitar o Amish County, no estado de Filadélfia. À chegada fomos ao Visitors Center - faço esta referencia para confirmar a Primavera no brainstorming das ferias, uns posts atrás- onde as informações eram dadas por velhinhos, que prestavam trabalho voluntário.
Lá chegámos, com essa informação mais a do Lonely Planet - agora fico contrafeita ao escrever Lonely Planet, salta-me logo à ideia a referencia ao LP, que li em circunstancias tão anormais.Como é possível,nunca tinha pensado nisso, partilharmos pessoas, livros, objectos, filmes, programas, com quem somos tão diferentes, e que em casos extremos nos são até repugnantes.
Resta-me a convicção de não partilharmos pensamentos, principios, valores, sentimentos.
Depois,o escrever LP.Estou tão ressabiada que acho uma forma pretensiosa de mostrar familiariedade com o Lonely Planet, nunca mais vou usar um, passo a comprar o Lets Go, porque tenho a certeza que nunca vou ver “já comprei o LG”.
Lá estavam as quintas, com os vira- vento produtores de energia,as casas de madeira construidas em comunidade, as carroças em vez dos automóveis,as meninas de tranças, tudo como eu tinha imaginado.
Numa feira ao ar livre comprei um kit para bordar, em linho, uma daquelas carroças. Tinha a mania de comprar uma coisa daquelas em cada lugar onde ia, lá os fui fazendo, agora ninguém os quer, nem eu mesma.
Bordei, montei numa moldura em segunda mão de madeira que comprei em Barcelona, e dependurei-o em Vila Chã. Recentemente tirei-o da parede, pousei-o na cadeira da entrada virado para baixo, faz-me impressão recordar tudo a que ele se liga.
Espanta-me como tive tempo de fazer tanta coisa, não me consigo lembrar como fazia, so me recordo que fazia porque gostava.
Numa casa estava um grupo de mulheres a fazer em conjunto uma colcha em patch-work. Eu já tinha feito uma imitação com restos de amostras de tecidos que a minha mãe tinha, com os quais fez camisas de noite e roupa para os meus queridos sobrinhos. Só que eu fiz essa primeira incursão no domínio do patch-work como uma verdadeira analfabeta, quem não sabe até acha que está bem mas não está, mas serviu como exercício, uma espécie de caderno de palavras dificeis.
Quando chegámos a casa resolvi fazer outra bem diferente, porque não tenho com quem partilhar o trabalho, peça fundamental , nem conhecimentos, experiência, tecidos semelhantes. Só que entretanto, noutra viagem não me lembro aonde, comprei um album de Quilts, com trabalhos muito variados e bonitos, e um capítulo com Quilts mais contemporaneos. Aí me inspirei para começar o meu trabalho.
É com dificuldade que agora penso em tudo isso, tanta coisa ligada a esta manta, com que agora partilho os dias gelados de Fevereiro.
Quando a comecei imaginava usá-la quando fosse mais velha, a cobrir-nos as pernas enquanto conversavamos sobre os filhos, eu a fazer camisolas para os netos.
Foi bom, porque assim pude viver esses momentos, que não se chegaram a concretizar Dos filhos muito teria para conversar,seria bom partilhar alegrias e preocupações, pensar em formas de os ajudar, desbafar as pequenas desatenções, lembrar episódios com os dessa viagem ao Amish County.
Juntei os tecidos velhos, desfiz casacos, saias, blusas, boxers, remechi nas caixas dos botões, das fitas, das rendas, das linhas, meti tudo num saco dos Jogos Médicos, recortei uns fundos de caixas de Sortido Favorita em quadrados do tamanho que me parecia bom para servir de módulo, e lá fui cosendo. Corta daqui, emenda dali, sobrepõe, acrescenta para fazer o quadrado, põe em cima um botão, borda uma florinha, acrescenta uma renda , um galão piroso, um entremeio que já não chega para nada.
Para unir os quadradoss desfiz umas saias pretas que deixaram de me servir, cortei-as às tiras e toca a andar. Fiz mal. Agora emagreci e podia usá-las, mas se vir que tal compro uma. Só que fico incomodada em pensar nisso, se penso em saias só me lembro de ver pernas grossas a sair de uma mini-saia. E fico a pensar que afinal pernas grossas são importantes, que mini-saias são agradáveis, que eu já devia saber isso, porque há 40 anos eu usava mini-saia. Mas há uns anos eu pensavaa era em como coser as tiras, se a direito se em cada quadrado, se ponto de luva ou ponto de cadeia, se por cima se por baixo dos quadrados.
Enquanto pensava nisso não pensava noutras coisas, decerto que perdi a hipótese de ter nesse tempo algum pensamento brilhante,mas também tive a vantagem de não pensar em mais nada.
Depois punha-se o problema do forro. Resolvi-o numa tarde de sábado em que fui a um armazem de tecidos fechado, que é agora uma loja muito fashion, numa esquina dos carmelitas.Quem nos abriu a porta foi a mesma que fez um desenho de que gosto muito e que agora esta suspenso de um prego numa parede à minha beira, faz boa companhia. Até já o vi no facebook.
Como me estava a custar dar o trabalho por encerrado, ainda bordei a toda a volta um caseado em linha vermelha,e gostei do resultado.
Agora não há volta a dar-lhe. A manta está pronta, escuso de puxar pela cabeça, resta-me meter as pernas debaixo e pensar .